Serendipidade

Poética
Serendipidade

Serendipidade

É abraço pra quem se deixa abraçar.
É tropeço
e antes da queda permitir-se mergulhar em uma realidade além.
Pra entrar por ela é preciso Presença...
reconhecer-se ser infinito...
e então passar entre portas que se abrem perante constante observação.
Um observar tranquilo.
Um estar.
Um perceber fluido
Leve
Compassivo

SERENDIPIDADE
Tem algo de sereno
Tem congruência
Tem relações puras
Está tudo lá... está aqui... está aí dentro.

É trazer coerência para o existir
É escutar o vento
É saber a chuva chegando
É transitar na comunhão
Ser terra
Ser pedra e asfalto
Ser conflito e liberação

Caminhar entre lua e sombra,
sol e conforto carregando todo o saber dessa e de outras realidades...

E
Ser
Nu
Perante o julgamento

É andar o que fala e ser silêncio
saber que um ponto de vista é a vista de um só ponto...
e existem tantos outros....

SERENDIPIDADE é ser espaço
é a disposição em ser LIVRE
e assim, permitir-se ser caminho para tornar-se PASSAGEM

Jô Lobo
17.12.2019

Serendipidade

Conflito/Consonância

Abrindo mão das necessidades de demarcar a paisagem ou de que fosse belo e trabalhando o instinto, a vocação, o ser do próprio terreno, começa o processo serendipidade. Palavra originada de contos persas que ancorou seu significado dentre os ocidentais como uma agradável descoberta ‘ao acaso’. Uma ‘sagacidade acidental’ estimulada pela capacidade de observação.

A ação se inicia como um deixar vir, sem interferência de necessidades de definição e intenção: obra à mercê da existência. Entre utopia e movimento, sem questionar se efêmera, constituída apenas de uma matéria que é o próprio terreno, a obra é o meio e se confunde à profundidade da mata. O trabalho cuidadoso é a intervenção que brota sutilmente junto às arvores na forma de raízes, cipós, cascas, texturas que projetam musicalidade e ritmo.

A todo momento age-se à Egéria: a natureza fala mais alto, livre para se impor e se expressar através da impermanência própria dela. Um despir-se perante o natural, onde o material que se torna “tinta e cor” transmite suas intenções. Estes desejos emergem das relações com a matéria, nada impositivos, mas trazem a arte de (se) descobrir ao acaso, sustentando os sentidos somente no processo. Passando pelo espiritual de Kandinsky, e pela cosmologia de Paul Klee e de Ilya Prigogine, o que surge é a arte transbordante, em oposição à arte antiquária dos museus.

A ação é o colapsar as fronteiras entre o interno e o externo, é manipular a percepção do rústico e intocável que a humanidade tem da natureza. Neste estado de permissão, o encontro se torna abraço. De fato escapulir da mente... e fruir prazerosamente para a Consciência, não como costumeiramente a conhecemos, mas como Presença com a qual iniciamos um contato mais íntimo e nítido em consonância entre a matéria e as ações.

Serendipidade ressoa na afirmação de Ilya Prigogine : “não há mais situações estáveis ou permanência que nos interessem, mas sim evoluções, crises e instabilidades”. A instabilidade leva a paradoxos, dualidades, ordens, desordens, tempo, verdades e existências. Existir sim, viver não, se existir inspira consciência e viver evoca a mente. E a mente, melhor descartá-la. Chegamos a uma era de incertezas. O espaço do existir não se encontra na racionalidade ou na lógica. Tudo que é mental, é conhecimento, é memória. E a experiência serendipidade traz um saber que vai além da mente; revelando que é possível, fundamental e prazeroso se permitir Ser Consciência aqui e agora. Ser esta Presença.

Coerentes com a verdade no devir do ser que transforma-se a todo instante, o que era caminho torna-se passagem criando a fusão entre o interior de cada um e o interior da mata; liberamos a arte do limite, criamos e curamos. E ao colocar e retirar... extraímos dela pura Presença.

Cláudio Guedes e Josane Lobo